A vitória do carnaval sem metáforas da Beija-Flor

A Beija-Flor na primeira metade da década de setenta, durante a ditadura militar, desenvolveu enredos que faziam apologia aos governos dos generais. Em 1973, “Educação para o desenvolvimento”, sobre o Mobral. Em 1975, já no grupo especial, “O grande decênio”, enaltecia o PIS-PASEP e o FUNRURAL. A escola de samba comemorava os dez anos do Golpe de 64.

O flerte com governos autoritários não ficou restrito à ditadura brasileira nos anos setenta. Recentemente, em 2015, com o patrocínio do cruel tirano da Guiné Equatorial, país miserável da África Ocidental, a “deusa da passarela” ganhou mais um campeonato.

Mudando completamente de lado, este ano a escola da Baixada empunhou a bandeira da luta contra a corrupção, violência, intolerância de gênero e racial. Uma agenda tradicional dos partidos de esquerda.
Desenvolveu o enredo sem filtros, estava quase tudo lá: uma mãe que vela um filho, um policial militar baleado, políticos carregando malas de dinheiro, uma sala de aula invadida por homens armados, um assalto na saída de um túnel, crianças vendendo balas com uniforme escolar, a “farra dos guardanapos”.

Algumas ausências foram sentidas nenhum Palocci, Dirceu, Dilma ou Lula passou na passarela. Indignação seletiva? Já que era para mostrar tudo, que todos estivessem lá.

Se o enredo era coxinha ou mortadela, não importa. Ser realista no Carnaval é uma contradição. A essência do carnaval é a fantasia, a máscara, a troca de identidade. Ao longo do ano já vivemos a vida real.

Salgueiro, Portela, Mocidade, Mangueira e Tuiuti, que desenvolveram críticas em seus enredos, entretanto, apresentaram suas demandas sem perder o sentido da alegorização.

É importante lembrar que em 1989 carnavalesco Joãozinho Trinta, com o enredo “Ratos e Urubus…Larguem minha fantasia”, fêz um enredo igualmente crítico.Entretanto,sem perder o compromisso com a carnavalização.

Com poucas plumas e brilhos, praticamente sem destaques que só apareceram na última alegoria da escola, com algumas alas vestidas de shorts, bermudas e camisetas, a escola de Nilópolis conquistou o corpo de jurados. Dois julgadores deram dez às fantasias da escola.

Em alegoria, um avaliador chegou a dar 10, os três outros 9,9 para um conjunto extremamente simples, contêineres empilhados constituíam o carro principal, que retratava o edifício sede da Petrobras.

Alegorias sem imponência que se tornaram palco para teatralizações. Era a realidade nua e crua. Encenou-se a tragédia de Realengo, um policial agonizava com um rombo no peito em plena avenida. Nenhuma interferência criativa.

O diálogo sem retoques com a realidade decidiu o título.

Muitos questionaram a idoneidade de uma escola onde seus dirigentes são acusados daquilo que denunciam. Seu presidente, por exemplo, foi condenado, em 2012, a 48 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação e contrabando. Coisas do carnaval!

Discutíveis as notas dos quesitos plásticos? Provavelmente. Enredo que relacionava os problemas sociais do Brasil com a Frankenstein foi um tanto quanto confuso? Com certeza. Mas o jurado, que antes de tudo é um cidadão, viu o que queria, e principalmente ouviu um grito entalado na garganta. Foi o cidadão quem julgou. O critério foi mais político do que técnico.

Se a concepção plástica dividiu opiniões, o samba foi uma unanimidade, o mais belo do ano. A Sapucaí veio abaixo, em uníssono. Todos denunciavam o abandono dos seus filhos pela mãe pátria.

Com harmonia e evolução irrepreensíveis, escola e arquibancadas cantavam um samba que nasceu clássico.
Uma multidão como nunca se viu no sambódromo, seguiu a escola, que foi a última a desfilar na noite de segunda feira.

A voz do povo prevaleceu. Com um carnaval sem metáforas a Beija-Flor sagrou-se campeã de 2018.

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