Uma noite de horror no Museu Nacional – Queimou tudo!

Sem palavras para dar a dimensão da dor de ver nossa memória virar cinza. A queima do museu nos coloca num limbo temporal. Nem o passado nos resta.

Se já não nos era permitido sonhar, se o presente é quase insuportável, até o passado nos é negado.

Neste ano, a Imperatriz Leopoldinense realizou um réquiem involuntário para o nosso primeiro museu. Com o enredo “Uma Noite no Museu Nacional”, exaltou os duzentos anos da instituição de São Cristóvão.

“…Dinossauros, borboletas/Brilham os cristais/O canto da cigarra em sintonia/Relembrou aqueles dias que não voltarão jamais…” Não voltarão mesmo, infelizmente! Uma catástrofe, um incêndio devastou os 20 milhões de itens do museu. Quase tudo foi destruído, no ano das comemorações do seu bicentenário.

De tudo um pouco: múmia, meteorito, vestimentas indígenas, trono do rei do Daomé, a mais importante coleção greco-romana da América do Sul. Tudo junto e misturado.

Objetos pessoais e cartas da imperatriz Leopoldina, que deu nome à escola, foram perdidos.

Todas as 700 peças da coleção egípcia também não existem mais. “…A brisa me levou para o Egito/Onde um solfejo lindo da cantora de Amon/Ecoa sob a lua e o sereno/Perfumando a deusa vênus sem jamais sair do tom…” O samba fazia referência a Sha-Amon-em-su, múmia da sacerdotisa cantora do deus Amon, fechada em seu magnífico sarcófago dourado.

Kherima, era a outra embalsamada. Uma das cinco múmias romanas no mundo, valia dezenas de milhões de dólares. Foi incinerada pela incompetência e abandono de autoridades e gestores.

Em 2018, predominaram temas políticos na Sapucaí. Algumas escolas de samba manifestaram seu desagrado com relação a corrupção, ao prefeito Crivella, ao governo Temer. A escolha da escola de Ramos pareceu fora desse contexto.

Entretanto, ali estava a denúncia mais negligenciada de todas. Ninguém percebeu a urgência da homenagem.

O panfleto não é o único caminho para manifestação política. A simples comemoração do bicentenário de uma instituição cultural esquecida por todos os seus gestores já é um protesto.

O hino da escola deixa claro a relevância da instituição :“…Onde a musa inspira a poesia/A cultura irradia o cantar da Imperatriz/É um palácio, emoldura a beleza/Abrigou a realeza, patrimônio é raiz/Que germinou e floresceu na colina/A obra-prima viu o meu Brasil nascer…”

Até mesmo a precariedade de algumas alegorias estavam afinadas com as péssimas condições da instituição cantada pela agremiação. A coroa do carro abre-alas não foi erguida para o topo e passou escondida. Há de se ressaltar que o diálogo sem retoques com a realidade decidiu o título. A Beija Flor fez um desfile sem metáforas.

Os carros alegóricos com falhas de forração, poderiam ter sido interpretados como expressão da penúria a que estava submetido o Museu Nacional. Não foram. A escola ficou em oitavo na classificação final.

Parabéns ao carnavalesco Cahê Rodrigues e a Imperatriz Leopoldinense pela sensibilidade em escolher como tema uma instituição, que durante dois séculos contribuiu para a construção da nossa identidade.

Hoje tudo virou cinzas.

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