A pele que habito

O juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal concedeu liminar que abre brecha para que psicólogos ofereçam a terapia de reversão sexual, conhecida como ‘cura gay’, tratamento proibido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) desde 1999.

Evelyn e Carolyne ao sair do Baile do Arco Íris, estupefatas com a notícia, correram para o SUS mais próximo, ainda de madrugada, em busca de um milagre.

Finalmente, cientistas brasileiros descobriram uma terapia que transformaria suas vidas num “anúncio de margarina”. Algo bem diferente da trajetória de adversidades enfrentadas por nossas duas guerreiras.

Evelyn foi expulsa de casa, perdeu família, amigos de infância, teve de reconstruir sua vida do nada. Sem apoio de ninguém, formou-se em direito, hoje trabalha num dos maiores escritórios de advocacia do Rio de janeiro e é reconhecida por todos os seus pares.

Carolyne a tudo enfrentou. Trabalha como maquiadora na Rede Globo e é aclamada como a melhor síndica que o edifício Rajá já teve. Famoso prédio, na praia de Botafogo, onde nossa esteticista comprou um conjugado,com vista para o Pão de açúcar.

Uma mãe acolhedora e uma irmã parceira possibilitaram uma trajetória mais amena para ela. Entretanto, como todas as suas contemporâneas, era vítima de uma “consentida” violência cotidiana.

Filas enormes se formaram, a PM foi convocada, milhares de gays e lésbicas em busca da reversão. Afinal, quem quer viver assim?

A longa espera por uma senha redentora diluiu a esperança de se livrar do opressivo preconceito e fez com que se dessem conta que quem precisa de “cura” são aqueles que ainda não entenderam que ninguém escolhe o objeto do desejo e muito menos ser um pária da sociedade.

Oferecer tratamento para homossexualidade, que não é uma doença, só faz crescer as estatísticas, no país que é campeão em crimes ligados a homofobia.

Quem precisa de terapia de reversão são os políticos corruptos, gente canalha, pastores oportunistas, presidentes mafiosos, empresários sanguessugas, e claro… psicólogos malucos!

Obs. Evelyn e Carolyne estavam saindo do Baile do Arco Íris, em 1958.Quase sessenta anos e o mesmo obscurantismo!

Vamos passar debaixo do arco-íris!

Vou reproduzir na íntegra o texto da matéria publicada, na revista Manchete, de 1958. O conteúdo é muito revelador do quanto era marginal a vida gay nos anos 50.A hipocrisia dava o tom: `No momento, o desfile está proibido, e o baile, antes bastante espontâneo, foi tabelado para turista pela prefeitura, com guardas em profusão e uma multidão a vaiar os que entram fantasiados.É,porém, um baile bastante animado, ordeiro, com menor número possível de brigas(e de bêbados) e a presença de diplomatas estrangeiros e famílias. A má imprensa carioca, que passou a explorá-lo na base do escabroso, é culpada da imensa quantidade de pessoas que hoje entram debaixo de apupos, ocultando o rosto com máscaras. É que ao passar debaixo da marquise, sentem-se como se passassem por baixo do arco-íris, mudando repentinamente de sexo como nos fala a lenda.`