Quem queima seu filme?

Em 2018, os políticos não foram bem vistos nas passarelas do samba. Sobrou para o então prefeito de São Paulo, João Doria. Ao tentar tirar uma foto com Zeca Pagodinho, no sambódromo do Anhembi encontrou resistência por parte do sambista carioca.

Zeca, um dos principais convidados do Bar Brahma, teria tentado ao máximo não tirar fotos ao lado do alcaide. A assessoria do sambista informou que ele não tem por hábito associar sua imagem à de políticos. Na verdade, parece que a história não foi bem essa: na verdade a resistência foi dos assessores, não do cantor.

Independente da sua equipe, Zeca declarou para a coluna da Monica Bergamo: “Eu tiro foto com um monte de gente que não conheço. Eu não peço documento pra ninguém”. Eu nem conheço ele (Doria). Foto é foto. Apoio é outra coisa. Eu não voto em ninguém. Fazer o quê? Eu não confio em ninguém!”

A resistência gerou um desconforto, mas a foto foi tirada. Doria só não conseguiu ficar ao lado do artista: amigos empurraram o ex-jogador Amaral para ficar entre o tucano e o cantor.

Aos jornalistas, Doria disse que não percebeu nenhuma saia-justa e elogiou o carnaval paulistano.

Quem quase teve sua imagem “torrada” durante a campanha foi o ex-prefeito, não o cantor.

Bombou nas redes um vídeo onde Doria supostamente participava de uma suruba. Tudo comprovadamente “fake”, pura maldade…

O episódio da passarela do samba paulista talvez tenha sido um sinal do desgosto da população para com seus representantes, prenúncio da grande depuração ocorrida nas eleições desse ano – metade do Congresso foi demitido pelo povo. O povo quis a mudança.

Nada disso, contudo, foi determinante na cabeça do eleitor da terra dos bandeirantes, o prefeito “quase” rejeitado, ganhou as eleições para governador do maior estado da federação.

A foto não deve ter contribuído em nada para o bom resultado do tucano nas urnas. Parece mesmo que a influência não é mais tão decisiva assim.

Grandes nomes da nossa música, atores e atrizes de sucesso, celebridades e subcelebridades participaram de comícios e gravaram declarações de apoio ao candidato de esquerda, que não foi bem sucedido. Com dez milhões de votos a mais, e com poucas adesões no meio artístico, o postulante de direita, foi eleito presidente da república.

Cada um no seu quadrado – e nenhum cidadão abrindo mão de ser o dono do seu voto – essa foi uma das mensagens das urnas. Pouco importa se o ídolo apoiou beltrano ou sicrano, se tirou ou não uma self com algum candidato, ninguém abriu mão de fazer a sua escolha.

Pelo visto, não só os políticos estão em baixa.

A vitória do carnaval sem metáforas da Beija-Flor

A Beija-Flor na primeira metade da década de setenta, durante a ditadura militar, desenvolveu enredos que faziam apologia aos governos dos generais. Em 1973, “Educação para o desenvolvimento”, sobre o Mobral. Em 1975, já no grupo especial, “O grande decênio”, enaltecia o PIS-PASEP e o FUNRURAL. A escola de samba comemorava os dez anos do Golpe de 64.

O flerte com governos autoritários não ficou restrito à ditadura brasileira nos anos setenta. Recentemente, em 2015, com o patrocínio do cruel tirano da Guiné Equatorial, país miserável da África Ocidental, a “deusa da passarela” ganhou mais um campeonato.

Mudando completamente de lado, este ano a escola da Baixada empunhou a bandeira da luta contra a corrupção, violência, intolerância de gênero e racial. Uma agenda tradicional dos partidos de esquerda.
Desenvolveu o enredo sem filtros, estava quase tudo lá: uma mãe que vela um filho, um policial militar baleado, políticos carregando malas de dinheiro, uma sala de aula invadida por homens armados, um assalto na saída de um túnel, crianças vendendo balas com uniforme escolar, a “farra dos guardanapos”.

Algumas ausências foram sentidas nenhum Palocci, Dirceu, Dilma ou Lula passou na passarela. Indignação seletiva? Já que era para mostrar tudo, que todos estivessem lá.

Se o enredo era coxinha ou mortadela, não importa. Ser realista no Carnaval é uma contradição. A essência do carnaval é a fantasia, a máscara, a troca de identidade. Ao longo do ano já vivemos a vida real.

Salgueiro, Portela, Mocidade, Mangueira e Tuiuti, que desenvolveram críticas em seus enredos, entretanto, apresentaram suas demandas sem perder o sentido da alegorização.

É importante lembrar que em 1989 carnavalesco Joãozinho Trinta, com o enredo “Ratos e Urubus…Larguem minha fantasia”, fêz um enredo igualmente crítico.Entretanto,sem perder o compromisso com a carnavalização.

Com poucas plumas e brilhos, praticamente sem destaques que só apareceram na última alegoria da escola, com algumas alas vestidas de shorts, bermudas e camisetas, a escola de Nilópolis conquistou o corpo de jurados. Dois julgadores deram dez às fantasias da escola.

Em alegoria, um avaliador chegou a dar 10, os três outros 9,9 para um conjunto extremamente simples, contêineres empilhados constituíam o carro principal, que retratava o edifício sede da Petrobras.

Alegorias sem imponência que se tornaram palco para teatralizações. Era a realidade nua e crua. Encenou-se a tragédia de Realengo, um policial agonizava com um rombo no peito em plena avenida. Nenhuma interferência criativa.

O diálogo sem retoques com a realidade decidiu o título.

Muitos questionaram a idoneidade de uma escola onde seus dirigentes são acusados daquilo que denunciam. Seu presidente, por exemplo, foi condenado, em 2012, a 48 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação e contrabando. Coisas do carnaval!

Discutíveis as notas dos quesitos plásticos? Provavelmente. Enredo que relacionava os problemas sociais do Brasil com a Frankenstein foi um tanto quanto confuso? Com certeza. Mas o jurado, que antes de tudo é um cidadão, viu o que queria, e principalmente ouviu um grito entalado na garganta. Foi o cidadão quem julgou. O critério foi mais político do que técnico.

Se a concepção plástica dividiu opiniões, o samba foi uma unanimidade, o mais belo do ano. A Sapucaí veio abaixo, em uníssono. Todos denunciavam o abandono dos seus filhos pela mãe pátria.

Com harmonia e evolução irrepreensíveis, escola e arquibancadas cantavam um samba que nasceu clássico.
Uma multidão como nunca se viu no sambódromo, seguiu a escola, que foi a última a desfilar na noite de segunda feira.

A voz do povo prevaleceu. Com um carnaval sem metáforas a Beija-Flor sagrou-se campeã de 2018.