Witzel cai no samba no seu primeiro ano de mandato

Na foto dessa postagem vemos a família do governador do estado do Rio de Janeiro, na passarela do samba, em 2019. Primeiro ano do mandato de Wilson Witzel.

Adequadamente fantasiados, o mandatário carioca ostentava o adereço predileto dos poderosos, o indefectível chapéu Panamá. Irradiava felicidade Sua esposa, Helena Witzel, exibia um fascinator de plumas verdes.Talvez, uma citação a sua escola de coração:Imperatriz Leopoldinense. Já sabemos que a primeira-dama tem paixão pelo carnaval. Paixão, que com certeza, contribuiu para que o governador prestigiasse os desfiles, do grupo especial, carioca.

O casal levou os filhos, Beatriz ,Bárbara e o irmão que estava com uma fantasia bastante divertida: Wally.

Wally sempre com uma camisa listrada em vermelho e branco, e com um gorro nas mesmas cores, é personagem central de série de livros, onde o leitor é convidado a encontrar o personagem perdido em uma página repleta de ilustrações, o Wally de Witzel estava no sambódromo, e era o seu filho Vicenzo..

O único da prole que não deu as caras na passarela do samba foi Erick Witzel, primogênito, filho do primeiro casamento do governador.

O ex-juiz, criado em Vila Isabel, tem demostrando real apreço pelo certame carnavalesco. Salgueirense, durante o desfile da vermelho e branco,recebeu do presidente da escolar tijucana, André Vaz, uma réplica da faixa de governador .

A tal faixa, que Wilson Witzel mandou fazer no Rio de Janeiro (não era praxe), para incrementar sua cerimônia de posse, e que para alguns,representou um gesto de puro deslumbramento, virou um dos hits desse carnaval. Até seus filhos não abriram mão do acessório.

Ao longo da noite, Witzel não negou fogo, foi para a pista sambar com todas as escolas. Exceto a Paraíso da Tuiuti, que levou a crítica política ao Sambódromo. Quando a Mangueira passou, com um enredo também muito politizado, ele só desceu do camarote porque a diretoria pediu.

Enquanto Witzel recebia os mangueirenses na avenida, em seu camarote, estavam os deputados estadual Rodrigo Amorim, o mais votado nas últimas eleições, e o deputado federal Daniel Silveira, ambos do PSL.

Nos dois últimos anos, enredos, claremente, de esquerda pontificaram. Deve ter sido confuso para o governador que estava no palanque, quando os citados deputados quebraram a placa com o nome da vereadora Mariele , assisitir acompanhado dos mesmos as homenagens à vereadora, prestadas por mais de uma escola de samba. Mangueira e Vila passaram com faixas, comissao de frente e familiares da vereadora assassinada.

Foi decisão de Witzel reativar o camarote do estado na Passarela do Samba, utilizado pela últma vez em 2015. Aliás, naquele ano, Helena e o marido foram convidados a ver as escolas, tendo como anfitrião Pezão. Não era a primeira vez dos dois no camarote. Em 2014, na gestão de Sérgio Cabral, eles também passaram por lá.

Este ano, o concorrido camarote recebeu, também, o juiz da Lava Jato, Marcelo Bretas, e o governador de São Paulo, João Dória.

Dória e Witzel assistiram juntos ao desfile do Império Serrano, a escola que abriu a disputa.
Puxado por Witzel, os dois ensaiaram passos de samba juntos. Apesar da empolgação, Witzel não parecia muito familiarizado com o samba que era um clássico de Gonzaguinha: ele só cantava o refrão.

Nos últimos anos a maior festa carioca vem sofrendo um inequívoca hostilidade do governo municipal. O último ataque do prefeito foi impeder que a prefeitura preste serviços de limpeza e segurança do Sambódromo durante o carnaval.

Diante disso, chega ser um alento, ver o governador do estado envovido com a nossa maior festa popular. Parece pouco, mas na atual conjuntura, não é.

No seu primeiro carnaval como governador do estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel não negou fogo, mirou na cabecinha e acertou no alvo, prestigiou a maior festa da cidade. Ponto para o governador.

O feitiço da polarização

O pendão estava lá, mais esperançoso do que nunca. Não era verde e amarelo como de costume, mas verde rosa. Possuía um dístico inusitado: índios, negros e pobres, para não deixar dúvida de quem queria representar. A releitura da bandeira brasileira, feita pela “Estação Primeira”, foi um dos pontos altos do seu desfile.

Definido o resultado, no sábado das campeãs, a terceira colocada, Vila Isabel desfraldou o auriverde símbolo máximo da pátria. Uma clara resposta à escola vencedora.

Se o desfile da “Escola de Noel” enalteceu a princesa que dá nome a agremiação, a “Escola de Cartola” fez questão de criticar: o sangue dos escravizados manchava a imagem da redentora. Se políticos e artistas de esquerda carregavam a releitura do pavilhão pátrio realizada pela verde e rosa, o lábaro oficial, desfraldado no último dia de desfile pela azul e branco, representava um alinhamento mais conservador.

Assim temos passados os dias: ou uma coisa ou outra, sim ou não, verde-amarelo ou vermelho, esquerda ou fascismo. É o chamado pensamento binário.

Alimentamos a repulsa a quem pensa diferente. Participamos de grupos no whatsApp , onde todos pensam da mesma foram. Nos protegemos em bolhas. Você é obrigado a escolher entre duas opções.Deletamos o contraditório.

O meio do caminho se perdeu, e com ele sumiu também o bom senso, o equilíbrio, a ponderação, dentre muitas outras qualidades.

A densa fumaça do feitiço da polarização não nos permite enxergar nuances. Os adeptos, sempre fervorosos, do governo anterior, ou do governo atual, se recusam a admitir falhas dos seus “guias” políticos. Um tem a certeza que o outro é um idiota.

Mesmo que você não tenha escolhido um dos dois lados, não pense que escapará. O democrático direito de se recusar a escolher está vetado. Mesmo que você explique que não conseguiu votar útil, que repudiava as duas alternativas, você será renegado.

As eleições passaram, mas o clima de ódio continuou. O carnaval de 2019 foi prova disso.

Quando o esdrúxulo causa uma surpresa

Há bônus e ônus em ser uma figura pública. Ao se candidatar a um cargo eletivo, além dos conhecimentos necessários para o exercício da função, o candidato tem que avaliar como anda o seu estado emocional.

Deve ser difícil acordar de manhã, abrir o jornal e se ver alvo de críticas, as vezes injustas. Ossos do ofício.

Desde sempre, o carnaval foi uma das manifestações prediletas da população para extravasar suas discordâncias com relação aos governantes. Máscaras e bonecos representando autoridades desfilam em blocos de todo país. Nenhum governante perdeu o cargo em função dos deboches momescos.

Infelizmente, o nosso presidente perdeu a cabeça com as fantasias de laranjas que marcaram presença nos cordões carnavalescos.

Laranjas? Sim, laranjas. Não, propriamente, referindo-se ao seu significado frutífero. Mas “o laranja” que assume uma compra, a propriedade de um imóvel, de um bem, para esconder o enriquecimento ilícito de um político. Não sei o quê as laranjas tem a ver, mas laranja também é isso.

A fantasia vitoriosa no concurso “Serpentina de Ouro ” promovido pelo jornal O Globo foi a de “caixa eletrônico e 48 envelopes de depósitos”, em referência às movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro.

O idealizador foi o professor Faber Paganoto, a partir de um meme no Twitter que dizia “somos todos depósitos do Bolsonaro “. Faber, que saiu vestido de caixa eletrônico, juntou 48 amigos, que se fantasiaram de envelopes para depósitos de R$ 2 mil, cada um. A cor escolhida para os cheques e para o caixa eletrônico era foi ….laranja.

Gostei também do “laranjal do Bozo”, essa clicada pelo fotografo Rafael Medeiros, no bloco Galo da Madrugada, em Recife.

Quem não gostou nada das alusões às candidaturas mobilizadas pelo PSL e a Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonoro suspeito de atuar como laranja, foi o presidente.

Para incendiar mais ainda, assessores ainda relataram a ocorrência de manifestações e xingamentos contra o capitão. Esse ano, os bonecos do presidente e da primeira-dama Michelle, receberam vaias e foram alvos de latinhas de cerveja. Não suportou as vaias recebidas em várias capitais do país.

O mesmo Bolsonaro que não viu nada demais, em 2016, ao virar um dos bonecos gigantes nas ruas de Olinda. Postando, inclusive noticias sobre o fato, ficou bastante aborrecido com essa chicana toda e resolveu se vingar.

Em mais uma atitude marcada pela excentricidade, a vendeta veio na forma de postagem de um filme, com conteúdo de sexo explicito no seu Twitter, com 3,4 milhões de seguidores.

No filme os artistas, Paulx Castello e Sofia Lacre, realizaram uma performance, para muitos escatológica, num pequeno bloco paulista. Encenaram para um publico minúsculo, talvez sessenta pessoas, um manifesto pelo liberdade sexual. Um das pessoas dança, introduz os dedos no ânus e, em certo momento, abaixa a cabeça para que um outro homem urine sobre ele.

O ato tinha como objetivo “exibir algo do que se tem produzido em relação as sexualidades não normativas “.

Um manifesto publicado pelos performers, após a instauração da polêmica. Dizia: “Nossos corpos e desejos dissidentes rompem com os papéis de género machistas e misóginos que enxergam os corpos feminizados como buracos. Nós estamos do lado da imoralidade de vidas ditas como irrelevantes e matáveis. Somos corpos não docilizados da escatologia social “.

Um ato assistido por um número restrito de pessoas, no pequeno bloco, ganhou o mundo. Ao que tudo indica o objetivo era passar uma ideia que o carnaval era uma festa dissoluta, imoral. Ao concluir o tuíte, Bolsonaro sugeria uma reflexão: “Não me sinto confortável em mostrar, mas temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar as suas prioridades. Isto é que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”.

Não é verdade. De forma alguma esse é o clima dominante no carnaval de rua brasileiro.

A excêntrica postagem nada mais fez do que divulgar aquilo que dizia repudiar. O próprio Bolsonaro chama atenção para uma das práticas encenadas: o “golden shower “, prática que diz desconhecer. não conseguiu convencer a ninguém com seu esdrúxulo ato de represália.

O desnecessário tuíte foi a patética contribuição do presidente Bolsonaro ao seu primeiro carnaval. Um tiro no pé.

Mangueira uma escola com partido

A bandeira estendida ao final do desfile, com seu dístico transmutado, não deixou dúvida com relação ao posicionamento político da verde e rosa. Está do lado dos “pobres, negros e índios “.

Nos seu primeiros meses de governo, o presidente Bolsonaro criou sua própria agenda de dificuldades. Seu maior inimigo foi ele mesmo. Nem mesmo os partidos que prometiam “resistência” a manifestaram. O desfile da Mangueira foi o maior ato de repúdio ao atual governo, até agora. Pode parecer inacreditável , e é! Mas, nenhum partido de esquerda conseguiu se manifestar de forma tão contundente quanto a Estação Primeira.

Com o enredo “História para ninar gente grande”, a escola de Cartola não fez por menos, apontou seu surdo de primeira, na direção de uma das principais bandeiras do atual governo: a “escola sem partido”, e desenvolveu seu carnaval.

A crítica política que caracteriza o enredo vem ganhando espaço nas agremiações do grupo especial.

Em 2018, a reforma trabalhista foi impiedosamente criticada pela Paraíso do Tuiuti No mesmo ano, com uma estética sem filtros, empunhando a bandeira da luta contra a corrupção, violência, intolerância de gênero e racial a Beija Flor venceu a disputa.

O enredo da Mangueira tomou partido contrário ao projeto estapafúrdio que, a princípio, defende que se ensine conteúdos de forma imparcial. Ideia que na verdade esconde o objetivo de impor o “viés ideológico” do grupo dque governa.

Não existe conhecimento imune a posicionamentos A partir desse princípio, a Mangueira apresentou o embate entre a chamada história oficial e sua versão crítica. Sai: Anchieta, Caxias, princesa Isabel, Deodoro, D. Pedro I, e entram: Luisa Mahin, Dandara, Chico de Matilde.

Assumem o protagonismo personagens negligenciados da história: negros na luta pela liberdade, tamoios que lutaram contra o branco usurpador, aqueles que morreram enfrentado a ditadura militar. Os heróis dos barracões, nunca lembrados. Todos em cortejo, desfilaram na verde e rosa. Inevitavelmente, alguns nomes foram esquecidos: João Candido, o “Almirante negro” da Revolta da Chibata”, por exemplo.Um inequívoco “herói”negro.Nada que tirasse o brilho do desfile.

Ao remexer os baús da dita história oficial, as flechas da verde e rosa melindraram posicionamentos. Alguns historiadores, militares saíram em defesa dos ditos heróis constituídos. Caxias não foi bem aquilo que o texto publicado em um dos carros alegóricos da escola. Muito menos a princesa Isabel merecia a irrelevância total no processo da Abolição. Entretanto, o contraditório valorizou ainda mais a proposta do carnavalesco.

É preciso ressaltar, entretanto, que o resgate de heróis esquecidos pela história, há algum tempo foi incorporado ao ensino da história. Há algumas décadas a formação do docente de historia tem essa orientação. Desde dos anos setenta, do século passado, registramos a publicação de livros didáticos com essa orientação.

Nem como enredo de escola de samba podemos afirmar que o tema da Mangueira foi propriamente uma inovação do carnavalesco Leandro Vieira. Em 1960, o Salgueiro revolucionou o carnaval carioca contando a história Zumbi dos Palmares. Em 1963, “Xica da Silva”, 1965, “Chico Rei”. Em 1969, a vermelho e branco, “foi de aço nos anos de chumbo”, em plena ditadura militar, sob a batuta do grande carnavalesco Fernando Pamplona, “História da liberdade no Brasil” colocava o dedo na ferida.

Infelizmente, a atual conjuntura tornou necessário, mais uma vez, “tirar a poeira dos porões”. O assassinato de Marielle Franco foi o elo entre o passado e o presente. Além da presença de sua companheira no desfile, a vereadora foi citada no samba(o mais lindo do ano) e na comissão de frente. Uma heroína sob medida para o enredo da Estação Primeira.

Uma narrativa certa na hora certa. Não deu pra ninguém. Parabéns Mangueira!