Escolas (de samba) com partido

Desconfie sempre de quem se diz neutro. Há sempre um desejo de impor a sua verdade por trás de quem se afirma isento.

Os poderes se comunicam e nos afetam. Ao abordar qualquer tema dialogamos com o poder instituído, político, partidário ou não.

Engenheiros, administradores atuam politicamente. Um médico ao se recusar a prescrever remédios ineficazes está fazendo política.

Manifestações culturais e artísticas ocupam um espaço importante nesse dialogo com os poderes presentes em qualquer sociedade humana.

Em 2018, no desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti, no Carnaval do Rio, o presidente Michel Temer, foi representado na forma de um diabólico “presidente vampiro” no alto de um carro alegórico.

Uma ala com fantasias de ‘manifestantes fantoches’, ironizando os que foram as ruas para pedir o impeachment da presidente Dilma e mãos gigantes representando a mídia, , também fizeram parte do desfile da agremiação.

Em recente entrevista, um dirigente da empresa que dirige o certame, afirmou que a sátira ao então presidente custou o patrocínio da Caixa Econômica ao desfile das escolas de samba.

“A Liesa recomenda que as escolas não sejam tão agressivas porque o intuito do carnaval não é crítica e nem ato político. A Liga não tem bandeira e nem ideologia, não é nosso intuito fazer críticas a quem quer que seja, direita, esquerda, nada”, afirmou o presidente da entidade.

Uma manifestação artística para se manter viva tem que gerar incomodo, polêmica, tem que ter coragem de ousar, conversar com o seu tempo, fazer pensar, refletir.

Não existe escola sem partido, nem de samba!

A Vizinha do Presidente

Dona Adélia, moradora da casa 5, na vila onde passei minha infância, era uma senhora disruptiva. A saber, disruptivo é aquele que interrompe, de forma súbita, o segmento normal de um processo.

Ao longo do ano, vetusta, fechada, nos dias de carnaval se transformava brutalmente. Escolhia as fantasias mais improváveis para cair na folia. Teve um ano, que saiu de bebê! E daí? Nos anos sessenta, não era nada comum que uma senhora , nos seus cinquentas anos, lançasse mão de tamanho empoderamento. Alvo da língua ferina dos vizinhos da vila, ela não estava nem aí.

Alguns condomínios de casa, da emergente Barra da Tijuca, se assemelham, de certa forma, às antigas vilas. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, mora num condomínio da Barra, o “Vivendas”.

Espécie de vila moderna, reúne 150 casas de veraneio da década de 60. Provavelmente, repleto de moradores egressos de bairros da zona norte. Muitos tijucanos, quando melhoram de vida, logo compram um apartamento, ou casa, perto do mar, na Barra da Tijuca.

Segundo a revista Veja, “Bolsonaro desembolsa 1100 reais por mês de condomínio. Convive com milionários? A única vizinha conhecida(famosos são praticamente um fator de valorização dos imóveis da Barra) é a veterana cantora Rosemary. Nome que só diz mais aos idosos”, afirma a reportagem de onde extraí essas informações.

Na plenitude dos meus 58 anos, me incluo no grupo, identificado pela revista, capaz de reconhecer a vizinha do presidente.

Não acompanhei a carreira de Rosemary como cantora da jovem guarda. Entretanto, sempre achei incrível a desenvoltura com que a “Fada Loura da Juventude”, desfila (sim, ela ainda desfila) como passista defendendo as cores de sua querida Mangueira.

Há quem considere a cantora como a “primeira estrela a desfilar como destaque no chão de uma escola no carnaval carioca”.

Pois é, a animadíssima Rosemary é vizinha do “mito”.

No condomínio, o capitão sempre se comportou de maneira discreta, a única exceção foi quando resolveu lançar rojões na direção do gerador de um hotel, ao lado do seu condomínio, cujo barulho o incomodava, afirmam na mesma matéria, as jornalistas Fernanda Thedim e Luisa Bustamente.

O hotel instalou um gerador de energia. Faltava luz toda hora. Bolsonaro reclamou do barulho. Disse que ninguém conseguia dormir na casa dele. O capitão acendeu morteiros que disparam fogos de artifícios e mirou em direção ao hotel. A gerencia desligou o gerador na mesma hora.

Mas há outros momentos surpreendentes do futuro morador do planalto, e isso todo o Brasil teve a oportunidade de presenciar, Bolsonaro já foi flagrado dando uma coletiva com microfones colocados sobre uma prancha de bodyboard, comendo pão com leite condensado, fazendo discurso com um varal de roupas ao fundo, ou com uma bandeira do Brasil colada com fita crepe na parede, nem um pouco apegado ao protocolo, me pergunto: será que o disruptivo Bolsonaro tem uma convivência pacífica com a passista vizinha ? Será que ele gosta de samba? Será que acompanha as peripécias da já setentona cabrocha?

Não importa. A única certeza que temos é que dona Adélia vive, e dona Adélia é quem sabia viver – era livre.

Obs1. Na foto de 1971, Rosemary desfilava o enredo: “Modernos Bandeirantes”, uma homenagem, da Mangueira, a Santos Dumont e aos pioneiros da aviação brasileira. Em 2018, o enredo foi “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”.

Obs2. Recentemente, um outro vizinho do presidente ganhou projeção na mídia. Ronnie Lessa, acusado de assinar a vereadora Marielle Franco e seu motorista.