Em 2012, a Porto da Pedra levou para a Sapucaí um enredo que fez uma viagem pela história do leite: “Da seiva materna ao equilíbrio da vida.
A comissão de frente simbolizava os “Lactobacilos da Folia”. Os integrantes representavam os microrganismos que protegem o aparelho digestivo.
“Qual é a contrapartida de um enredo sobre iogurte? Eu tenho coragem de travar esse debate”, afirmou o rival de Crivella nas ultimas eleições, Marcelo Freixo, em referência ao desfile da Porto da Pedra, que caiu para o Grupo de Acesso.
Em 2017 os lactobacilos atacaram novamente. O principal argumento do prefeito para reduzir a verba das agremiações é que usaria metade dos recursos para dobrar às diárias pagas às creches – de 10 para 20 reais. O que possibilitaria a compra de mais de iogurtes para as criancinhas.
A falsa questão: creches x escolas de samba joga a opinião púbica contra sambistas e profissionais envolvidos no evento. Quem vai apoiar tirar um “danoninho” das mãos de uma criança para investir em desfile de escola de sambas?
A Liga Independente das escolas de Samba do Rio de janeiro (Liesa) reagiu ameaçando não realizar o desfile de carnaval em 2018.
O curioso é que ainda candidato à prefeitura do Rio, Crivella disse, em agosto de 2016, que iria manter o patrocínio para as escolas de samba.
A proposta de racionalizar a verba pública e questionar a entidade que gerencia o carnaval do Rio era do candidato derrotado, Marcelo Freixo: “A Liesa não pode substituir o poder público. É um bom debate. Só não aceito a pecha de censura. Não existe dirigismo. As escolas encolhem o enredo que quiserem. Mas qual é a contrapartida? Qualquer edital de qualquer setor da área de cultura que precisa de dinheiro público exige contrapartida cultural. Por que falar isso para as escolas de samba vira escândalo? E tem que ter prestação de contas”.
Freixo deixou claro que não financiaria escolas com enredos que recebessem financiamento privado, sem uma contrapartida cultural. Além de negar apoio a liga e questionar sua pouca transparência na administração do carnaval carioca. As escolas e a liga preferiram Crivella.
As escolas precisam do repasse do poder público. Além dos R$ 2 milhões, investidos pela prefeitura, as agremiações contam com a receita da venda de ingressos, direitos autorais e a cota de transmissão da TV. Há escolas que realizam seus desfiles com os recursos oficialmente disponibilizados, R$ 6 milhões. Os dois últimos carnavais da Mangueira, com enredos de inequívoca relevância cultural, não ultrapassaram esse teto.
Entretanto, a maior parte da chamadas grandes escolas buscam complementar seus orçamentos com recursos privados e gastam em torno de R$ 10 milhões para realizar seus desfiles. Fazendo, naturalmente, concessões aos patrocinadores.
Os mais alinhados com a ideia do Estado mínimo, defendem a transformação do carnaval num evento autossustentável com recursos provenientes exclusivamente do capital privado. Não é tão simples assim.
Com a diminuição das verbas públicas fica cada vez mais distante o objetivo de um carnaval mais essencial, relevante culturalmente e menos preocupado com o espetáculo.
Sem o mecenato do Estado, não teríamos óperas, balés, concertos. Cultura é essencial na formação de um povo e a escola de samba é parte fundamental da identidade da nossa cidade.
Vale a pena repetir para os que se preocupam com o equilíbrio fiscal e as contas do erário municipal: Ao final do carnaval de 2017, a Riotur informou que 1,1 milhão de turistas estiveram na cidade e deixaram 3,3 bilhões de reais. A ocupação dos hotéis beirou 80%. O carnaval proporciona um expressivo retorno financeiro à cidade e cumpre um papel relevante na geração de empregos.
Surpreendentemente, para alguns, o verdadeiro objetivo do prefeito em jogar a bebida láctea contra o povo do samba, não é equilibrar as contas da prefeitura, seria na verdade uma estratégia de silenciar um canal de expressão dos cultos afro-brasileiros. A história das escolas de samba dialoga desde a sua origens com as tradições dos terreiros de candomblé.
lactobacilos contra o povo do santo! Quem poderia imaginar uma coisa dessas?