Em 2016, a Igreja aprovou o São Jorge da Estácio

Em 2016, pela primeira vez, uma escola de samba se apresentou com tema religioso aprovado pela Arquidiocese do Rio. A Estácio de Sá apostou em São Jorge, tratado como mártir cristão.

Em reunião com o arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta, uma sinopse do enredo, Salve Jorge! O guerreiro na fé, foi mostrada. A Estácio de Sá pediu a autorização alegando que não haveria confronto com a Igreja, nada depreciativo. A ideia seria homenagear o santo católico, sem sincretismo com a Umbanda, onde o santo guerreiro tem como espelho Ogun.

São Jorge suportou as maiores torturas e até um dragão venceu. Derrotou inclusive o poder da Igreja onde foi rebaixado, por Paulo VI, em 1969, a uma terceira categoria de santos, tornando opcional a festividade em homenagem a seu dia. Um equívoco sem tamanho! Como desprezar a devoção a um santo tão popular? A Santa Sé recuou e a divindade da Capadócia foi reconduzida, por Joao Paulo II ,em 2000, ao seu status anterior.

Será que em algum momento as autoridades religiosas perceberão, também, que uma procissão pagã em louvor aos seus santos e tradições pode ser entendida como uma forma de evangelização? Que a apresentação respeitosa de símbolos sagrados, nos cortejos carnavalescos, pode aproximar mais do que afastar os fiéis? Seria um avanço.

O dragão vencido por São Jorge, fazia parte das lendas das culturas celta e saxônica, e foi incorporado à narrativa católica. Os cruzados ingleses reescreveram o mito de acordo com a sua cultura. Por que não incorporar a São Jorge elementos dos cultos afro-brasileiros?

Lamentavelmente, uma política confusa, ora contra a exibição de qualquer referência, ora repudiando o sincretismo, vem marcando as atitudes da maior instituição cristã do Brasil.

O caso mais emblemático foi em 1989, quando a Beija-Flor desfilou com seu Cristo mendigo coberto por plástico preto após mandado judicial expedido em deferimento à uma solicitação do Cardeal. Este ano, mais uma vítima, a Mangueira , que pressionada, aceitou o pedido para que o tripé Cristo/Oxalá não fizesse parte do desfile das campeãs .

Em 2016, infelizmente, a abordagem católica do santo guerreiro perdeu feio para entidades africanas. É importante ressaltar que referências à manifestação umbandista do santo guerreiro não foram completamente descartadas no desfile da Estácio, há citações ao culto do senhor do ferro e da guerra, na letra do samba, por exemplo.

Entretanto, a vitoriosa, Iansã, da Mangueira e o Exu, do vice-campeão, Salgueiro, dominaram o terreiro do samba.

Nem a bênção do bispo livrou a pioneira, do morro de São Carlos, de ser a grande injustiçada, do desfile da série especial, ficou em 12º lugar, caindo para série A.

Será que Ogum não gostou de ter ficado de fora?

Bom, bonito e barato

Bom,bonito e barato.O desfile da Ilha custou menos de 4 milhões de cruzeiros, afirma a revista Manchete de 1/3/1980. A metade do que gastou a Império Serrano, que nem foi das mais ricas. A escola insulana encantou a todos e nada melhor que a letra do seu samba para traduzir o que se viu na avenida:

Colori/Com toda minha simpatia/Um visual de alegria/Cante comigo essa canção de amor/Sou a comunicação/Não tenho luxo e nem riqueza/Há simplicidade e beleza/Na festa do seu coração/Muito bom/O meu bonito é barato (bis)/Da simpatia, o retrato/Do povo no carnaval…

Narcisa a maior passista do Salgueiro

Segundo Ovídio, Narciso era um rapaz plenamente dotado de beleza. Dias antes de seu nascimento, seus pais resolveram consultar o oráculo Tirésias para saber qual seria o destino do menino. E a revelação do oráculo foi que ele teria uma longa vida, desde que nunca visse seu próprio rosto.
Narciso cresceu, e se transformou num jovem extremamente bonito, que despertava amor tanto em homens e mulheres, mas era muito orgulhoso e tinha uma arrogância que ninguém conseguia quebrar. Até as ninfas se apaixonaram por ele, incluindo uma chamada Eco que o amava incondicionalmente, mas o rapaz a menosprezava. As moças desprezadas pediram aos deuses para vingá-las. Para dar uma lição ao rapaz frívolo, a deusa Némesis, (aqui, uma versão de Afrodite) o condenou a apaixonar-se pelo seu próprio reflexo na lagoa de Eco. Encantado pela sua própria beleza, Narciso deitou-se no banco do rio e definhou, olhando-se na água e se embelezando. Depois da sua morte, Afrodite o transformou numa flor, narciso.
… Narcisa do Salgueiro magnetizava a todos com sua dança infernal. Mas ao contrário do mito grego retrubuía o amor recebido. Sorte do seus admiradores,sorte do Salgueiro.

Pacheco o astronauta que foi sem nunca ter sido

Foi em 1961 que os americanos começaram a selecionar os astronautas para o programa espacial. Tinham de ser bons aviadores, ter nível universitário e boa estrutura psicológica para enfrentar situações difíceis e imprevistas. Pacheco foi reprovado no processo seletivo. Era o melhor aluno da escola de pilotos da força aérea americana. Filho de mãe Brasileira e pai americano foi vetado mais por suas qualidades que por seus defeitos. Sabia tudo sobre ciências biológicas,física e matemática. Entretanto, herdou o gênio da mãe, era excessivamente comunicativo. Simpático toda vida, interagia com todos os colegas de classe.Não era o perfil. Comentou-se na época que os três escolhidos para a viagem histórica à Lua eram os mais sérios e menos comunicativos astronautas do programa espacial.Para aliviar a depressão veio passar o carnaval de 1971 na casa da sua tia avó em Olaria,subúrbio carioca.Tia Wanda,alegria em pessoa, era presidente da ala das baianas da galo de ouro da leopoldina, a Unidos de Lucas. Para ajudar a curar o abatimento e levantar o astral do sobrinho neto, conveceu Pacheco a concorrer na categoria de originalidade no baile do Municipal do Rio de Janeiro. Sugeriu que usa-se um de seus uniformes de treinamento. Foi ovacionado ao surgir na passarela. Pacheco pode não ter ido a lua, mas desfilou no Municipal.A foto publicada na Revista Manchete documenta o glorioso desfile do astronauta que foi sem nunca ter sido.

Chuva, suor e cerveja em Sampa

O túmulo do samba não queira mais ser o túmulo do samba! E então, organizaram um grande baile no Teatro Municipal.A revista Manchete(2/3/1968) publicou:`mais de duas mil pessoas pularam e brincaram animadamente até as cinco da manhã.O grande salão formado pelo palco e pela plateia foi pequeno para o número de foliões, cujos movimentos eram embelezados por um original sistema de iluminação. Ao mesmo tempo, a pintura fosforecente, utilizada na decoração, e grandes bolas de plástico aumentavam ainda mais o efeito das luzes.O governador Abreu Sodré e o prefeito Faria Lima estiveram presentes, entrosando sua alegria com a animação geral`..Dentre os foliões, Caetano Veloso.Belo como nunca entoava a pleno pulmões:…A gente se embala /Se embora se embola/Só pára na porta da igreja/A gente se olha/Se beija se molha/De chuva, suor e cerveja…

Era o futuro e ninguém avisou nada…

Julho de 1969, a Apolo 11 pousou na superfície lunar, em um local chamado Mar da Tranquilidade.Alguns meses depois no oceano de loucuras do carnaval Carioca,despontava, na passarela do principal baile da cidade, uma estranha fantasia. Teria sido inspirada numa moon girl do Courrèges? Linhas retas e um quê de vestimenta espacial.Seria um modelo de Paco Rabanne com um macacão metalizado, lembrando alumínio? geometrismo de um autentico Pierre Cardin? No auge da contracultura, nada melhor do que apresentar uma colombina desconstruída.A viagem a lua inspirava a moda.O personagem da commedia dell’arte se reinventou e levou o segundo prêmio do concurso de fantasias do teatro Municipal do Rio de Janeiro. Dina Mara de Oliveira não sabia, mas um `futuro` como aquele, com naves pousando na lua, não se repetiria nunca mais.Era o futuro e ninguém sabia.

A chorus line mestiça

Observe o estilo da Chorus Line salgueirense: calças com nesga,bustiê de lamê vermelho, um charmoso chapeuzinho assentado sobre um lenço listrado com as cores da Escola,inacreditáveis scarpins com salto e as pastoras da alvirrubra tijucana !Ah..as pastoras… que elegância! Nada que possa ser aprendido em manuais de estilo.O segredo estava no orgulho em defender uma agremiação que fez o negro cantar o negro na avenida. E inovando mais uma vez, Os Acadêmicos cantaram a história do berço do samba: a praça Onze. Abre a roda meninada, que o samba virou BATUCADA !O carnavalesco Fernando Pamplona dizia na sua sinopse: Substituindo o tradicional desfile cronológico, o Salgueiro castiga o tema para mostrar abertamente, do jeito que pode, o milagre do casamento religioso,social, racial e da cultura de todas as raças que fizeram o Brasil, país único, magistralmente sintetizado no complexo cultural que explodiu na praça Onze. Algumas informações curiosas foram ressaltadas pela revista Cruzeiro (17/02/1970):..depois de vinte minutos de desfile, já conquistara o povo das arquibancadas, que fazia o coro ritmado: `já ganhou! já ganhou! Além da bateria, ganharam muitos aplausos: Paula do Salgueiro,que sambou mais rápido do que nos anos anteriores; Jorge Ben, que passou ladeado de duas pastoras, e Isabel Valença (Chica da Silva), que o povo aplaudiu de pé.Quando a Escola deixou a passarela da Presidente Vargas, eram decorridos apenas 50 minutos desde o início do desfile.No dia 8 de fevereiro de 1970, o Salgueiro foi vice-campeão, com o enredo praça Onze,Carioca da Gema (83 pontos). Perdeu para Portela,com o enredo Lendas e Mistérios da Amazônia.(88 pontos).

As gêmeas da banda

Vislumbro duas possibilidades de condução do meu processo de envelhecimento: O caminho mais óbvio é contabilizar amarguras,insucessos,ressentimentos e frustrações e ir me transformando em um clichê de velho. Na contramão desse imagem negativa da velhice,as irmãs gêmeas Laura e Délia, com mais de 80 anos, entraram para a história da Banda de Ipanema e do Carnaval carioca. Quem frenquentou os desfiles da Banda nos anos 80, testemunhou a alegria incontida de duas octagenárias que rasgavam a camisa de força que o tempo nos vai impondo e caíam na folia. Esqueciam a sensiblidade ao barulho, a perda da visao, empurrões, pisões,o temor da violência, o tumulto inevitável da festa e simplesmente brincavam. A postagem de hoje é uma homenagem às duas gêmeas que jamais perderam a alegria de viver!