As Marchinhas Proibidonas

Na foto, no Iate Clube do Rio de Janeiro, em 1967, vemos João Roberto Kelly flagrado nos braços de uma bela mulata ,na noite do Havaí, provavelmente ao som de uma de suas animadas marchinhas. Marchinhas que, quarenta anos depois, estão sob o fogo cerrado das patrulhas dos chamados politicamente corretos.

Uma polêmica agitou o pré-carnaval de 2017,alguns blocos resolveram banir marchinhas tradicionais dos festejos de momo. Segue a transcrição de trechos de algumas das canções e seus polêmicos versos:

O teu cabelo não nega, mulata/Porque és mulata na cor/ Mas como a cor não pega, mulata/Mulata, eu quero o teu amor….

Olha a cabeleira do Zezé/Será que ele é…/ Será que ele é bossa nova/…Parece que é transviado/Mas isso eu não sei se ele é.

Maria Sapatão/Sapatão, Sapatão/De dia é Maria/De noite é João…

As letras, indubitavelmente racistas, homofóbicas, simbolicamente validariam preconceitos e deveriam ser eliminadas das listas de execução de blocos conscientes.

Com o objetivo de trazer alguns elementos para o debate, destaco que as marchinhas em questão fazem parte do cancioneiro do carnaval brasileiro , são retratos de sua época, do contexto em que foram produzidas. Podemos ouvi-las considerando essas variáveis e datando sua desfaçatez em menosprezar e propagandear afirmativas preconceituosas.

Sabemos que a luta por uma sociedade que respeite os direitos individuais está longe da vitória. Contudo, outras modalidades musicais produzidas no passado e atualmente, afirmam uma visão excludente, sem que manifestações de repúdio se percebam na intensidade do atual debate sobre as marchinhas.

Toda essa discussão me remete ao hino nacional: Ouviram do Ipiranga as margens plácidas/De um povo heroico o brado retumbante/E o sol da liberdade, em raios fúlgidos/Brilhou no céu da pátria nesse instante… O povo estava representado do grito da independência? O sol da liberdade brilhou em 1822? Os escravos foram libertos? E aí , não devemos cantar o hino? As canções nacionais estão sempre marcadas por uma visão histórica elitista e ufanista.

Assim como no hino nacional, ao ouvir as clássicas músicas do carnaval carioca devemos superar as suas idiossincrasias, preconceitos ou a sua visão histórica discutível.

A compreensão crítica e contextualizada nos liberta da condição de repúdio. É possível ouvir e cantar letras anacrônicas e não ser afetado por elas, mesmo sendo alvo do seu deboche.

Será reponsável não cantar letras com valores desatualizados, ou será que mergulhamos num revisionismo ridículo? Os novos tempos exigem novas posturas. Parece complexo e é! Complexo e necessário.

Colombina iê-iê-iê

O belo da foto é o cantor e compositor Roberto Audi. Sucesso absoluto no carnaval de 1967 com a marchinha ` Colombina, onde vai você` de João Roberto Kelly e David Nasser. Repaginada, a velha conhecida personagem da commedia dell`arte, dançando iê-iê-iê não resiste aos encantos do seu trovador. Roberto Audi morreu em 1997 aos 63 anos.