A Vizinha do Presidente

Dona Adélia, moradora da casa 5, na vila onde passei minha infância, era uma senhora disruptiva. A saber, disruptivo é aquele que interrompe, de forma súbita, o segmento normal de um processo.

Ao longo do ano, vetusta, fechada, nos dias de carnaval se transformava brutalmente. Escolhia as fantasias mais improváveis para cair na folia. Teve um ano, que saiu de bebê! E daí? Nos anos sessenta, não era nada comum que uma senhora , nos seus cinquentas anos, lançasse mão de tamanho empoderamento. Alvo da língua ferina dos vizinhos da vila, ela não estava nem aí.

Alguns condomínios de casa, da emergente Barra da Tijuca, se assemelham, de certa forma, às antigas vilas. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, mora num condomínio da Barra, o “Vivendas”.

Espécie de vila moderna, reúne 150 casas de veraneio da década de 60. Provavelmente, repleto de moradores egressos de bairros da zona norte. Muitos tijucanos, quando melhoram de vida, logo compram um apartamento, ou casa, perto do mar, na Barra da Tijuca.

Segundo a revista Veja, “Bolsonaro desembolsa 1100 reais por mês de condomínio. Convive com milionários? A única vizinha conhecida(famosos são praticamente um fator de valorização dos imóveis da Barra) é a veterana cantora Rosemary. Nome que só diz mais aos idosos”, afirma a reportagem de onde extraí essas informações.

Na plenitude dos meus 58 anos, me incluo no grupo, identificado pela revista, capaz de reconhecer a vizinha do presidente.

Não acompanhei a carreira de Rosemary como cantora da jovem guarda. Entretanto, sempre achei incrível a desenvoltura com que a “Fada Loura da Juventude”, desfila (sim, ela ainda desfila) como passista defendendo as cores de sua querida Mangueira.

Há quem considere a cantora como a “primeira estrela a desfilar como destaque no chão de uma escola no carnaval carioca”.

Pois é, a animadíssima Rosemary é vizinha do “mito”.

No condomínio, o capitão sempre se comportou de maneira discreta, a única exceção foi quando resolveu lançar rojões na direção do gerador de um hotel, ao lado do seu condomínio, cujo barulho o incomodava, afirmam na mesma matéria, as jornalistas Fernanda Thedim e Luisa Bustamente.

O hotel instalou um gerador de energia. Faltava luz toda hora. Bolsonaro reclamou do barulho. Disse que ninguém conseguia dormir na casa dele. O capitão acendeu morteiros que disparam fogos de artifícios e mirou em direção ao hotel. A gerencia desligou o gerador na mesma hora.

Mas há outros momentos surpreendentes do futuro morador do planalto, e isso todo o Brasil teve a oportunidade de presenciar, Bolsonaro já foi flagrado dando uma coletiva com microfones colocados sobre uma prancha de bodyboard, comendo pão com leite condensado, fazendo discurso com um varal de roupas ao fundo, ou com uma bandeira do Brasil colada com fita crepe na parede, nem um pouco apegado ao protocolo, me pergunto: será que o disruptivo Bolsonaro tem uma convivência pacífica com a passista vizinha ? Será que ele gosta de samba? Será que acompanha as peripécias da já setentona cabrocha?

Não importa. A única certeza que temos é que dona Adélia vive, e dona Adélia é quem sabia viver – era livre.

Obs1. Na foto de 1971, Rosemary desfilava o enredo: “Modernos Bandeirantes”, uma homenagem, da Mangueira, a Santos Dumont e aos pioneiros da aviação brasileira. Em 2018, o enredo foi “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”.

Obs2. Recentemente, um outro vizinho do presidente ganhou projeção na mídia. Ronnie Lessa, acusado de assinar a vereadora Marielle Franco e seu motorista.

Passistas da Mangueira – 1969

Nos anos 60 a ala com passo marcado era a grande novidade das Escolas de Samba.Na contramão da coreografia ensaiada sobrevivia a improvisação do dançarino individual. Na revista Manchete,8/3/1969, acompanhando a foto, que reproduzo aqui, vinha a seguinte legenda: Passista nasce passista – é impossível aprender uma coisa que surge quase na hora, como inspiração.Os passistas da Mangueira defendiam no pé a tradição da dança do samba.Hoje em dia, as alas dos passistas ganham um espaço cada vez maior junto às agremiações carnavalescas.E por falar em passistas: por onde anda a passista Neide e seu anônimo parceiro?

O samba é uma criança- Viva Nair Pequena!

Mangueira no ano passado perdeu uma sambista na Avenida. Tinha quilômetros de samba na memória e nos pés. Chamava-se Nair Pequena.Caiu e morreu. Mas caiu e morreu legendária, cumprindo a sina da cabrocha e do passista. `Quero morrer numa batucada de bamba, na cadência bonita do samba` Porém a Mangueira não morreu, o samba está vivo, foi só Nair Pequena que pediu para abrirem alas, que ela estava cansada e queria dormir. Na Mangueira e no Salgueiro, na Portela e no Império Serrano o samba renasce a cada ano. Estamos falando de gente, de vida verdadeira, não se trata de alegoria. Olhem. Vejam o sambista da Mangueira com sua filhinha no colo. Reparem no sorriso dele, como transmite continuação, triunfo. e vejam como a mulatinha já abre os braços e já canta exatamente como sua mãe, exatamente como as dezenas de milhares que avançam na Avenida, chova torrencialmente ou faça um calor de rachar, tão logo as baterias anunciem a hora suprema. O pai exibe orgulhoso a própria filha e, dentro dela, como dentro dele, a própria felicidade que se exprime no carnaval e que nos fala de uma África tribal – o Brasil – de pai para filha, de família para família, sempre recomeçada e por isso imortal. Vejam! A garotinha já aprendeu o gesto, ela dança como gente grande, só que no colo paterno. Amanhã estará na Avenida mostrando a sua graça. É o que se lê no sorriso do homem. Nair Pequena morreu, viva Nair Pequena. Crônica escrita por José Carlos Oliveira. e publicada na Revista Manchete(6/3/1971)

Encontrei as seguintes informações no site: Estação Primeira de Mangueira: Nair dos Santos, a NAIR PEQUENA, uma das fundadoras da Estação Primeira de Mangueira, foi também a fundadora da 1ª ala feminina da escola, a “Ala das Cozinheiras”. Mas foi na ala das baianas que ganhou notoriedade, sendo considerada a mais famosa baiana da história da verde e rosa. Seu amor pela Mangueira era tão grande, que sua “passagem” foi em plena avenida: no desfile das campeãs de 1970, quando a escola ficara em 3º lugar com “Um cântico à natureza”, Nair Pequena “morreu de alegria, de emoção”. Toda a escola seguiu, como que num cortejo, com a bateria fazendo a marcação apenas com seu surdo de primeira.